Assim nasce uma zine
O processo de criação da minha nova publicação: entre calçadas
ZINE: substantivo neutro, feminino e masculino. publicação impressa e artesanal de baixa tiragem, que usa métodos de não-canônicos de produção, reprodução e distribuição. corruptela de fanzine. inventadas na década de 1940 por fãs de sci-fi ingleses, foram adotadas por grupos fãs de terror, punks, feministas, poetas, artistas visuais, entre vários desejosos de veicular suas ideias imprimíveis na marra.
gosto de publicar o que escrevo. criei meu primeiro blog lá em 2002 (ou foi em 2003?), o endereço era eusouatoa.blogspot.com.br (RIP) por causa de uma piada entre amigas. eu tinha 15 anos. desde então, eusouatoa é meu nome na internet e desde então publico o que penso e como penso. aí estudei jornalismo, assinei reportagens em muitos sites e revistas, criei o blog eusouatoa.com (esse ainda tá no ar, com posts da volta ao mundo em 2012 e viagens posteriores)… mas foi só em 2013 que me aventurei pela primeira vez nessa coisa de me autopublicar em papel.
comecei pelas colagens, num momento de crise com a escrita. quem tem alguma das zines Flores de Rua (2015/16)? depois veio a trilogia de viagens Flores para los Muertos, Bangkok, Flores Laosianas (2017), primeiras impressas em riso na Entrecampo. então, a poesia cresceu na minha vida. e com ela a vontade de publicar zines poéticas. Manifesto Pela Naturalidade do Corpo, Odis Sea e Snack Bar, A Todo Vapor, Manisfeto Sacy (2018), Siricotico (2019), 5h55, Sorte de Principiante (2022).
e agora a nova: entre calçadas.
esmiúço aqui o processo de criação dessa zine, aproveitando que está fresco na memória.
se você quer criar uma publicação mas ainda não sabe como, vem fazer minha próxima oficina de zines! Em 2024 quero lançar a versão online e fazer várias edições presenciais também (me chama pra fazer uma na sua cidade que eu vou!).
concepção
entre calçadas começou com uma provocação da Julia Bac: “e se a gente fizesse uma zine que uma escreve e a outra responde, tipo aquele livro Como se Fosse a Casa da Ana Martins Marques e do Eduardo Jorge?” bora! propus que o tema fosse o contrário da casa: a rua. a distância, os caminhos, a estrada, as calçadas, onde os pés pegam poeira.
caminhar à toa pelo mundo é meu assunto, e desde janeiro estou fazendo uma pós maravilhosa, em Caminhada como Método para a Arte e a Educação nA Casa Tombada. daí separei 9 “poemas de calçada”, escritos a partir de exercícios propostos no curso, pra ver quais combinavam mais com os da minha amiga poeta de Bauru, que aliás encabela um delicioso grupo de leitura de poesia (online). INFELIZMENTE, na correria desembestada da vida, a Julia precisou abrir mão do projeto no meio do caminho :( mas eu fiquei com a pulga da zine atrás da orelha. e saltei com ela.
objetivo
ter uma zine nova pra colocar algumas produções recentes pra jogo durante a Flip, a Festa Literária de Paraty.
requisitos
ter poemas que gosto e quero ler nos saraus que rolarem na Festa
ter um cartaz do outro lado, pra colar alguns por Paraty
ser constituída por 1 folha A4, com dobras, mas sem cortes (pra facilitar a produção)
usar papeis que eu já tenho em casa ou que sejam baratos e fáceis de comprar
ser impressa na minha impressora Shannon the Canon (uso pouco por dó de gastar, ó que absurdo!)
pensar fazendo 1 (poemas)
a partir dessas premissas, comecei a brincar com as dobras de zine que já conheço. aprendi com o origami que papel pode ganhar uma infinidade de formas, basta saber como dobrar.
resolvi ir com o formato que a Ale Maia usou na oficina que dei aqui no Rio em outubro: A4 dobrado até ficar no tamanho A7, criando 8 páginas + cartaz. como a dobra punk, mas sem o corte no meio.
esse formato só me dá 6 páginas de poemas. bem pouco, né? dos 9 que eu tinha separado, primeiro a Julia escolheu 3 poemas meus e eu escolhi 3 dela, tava bonitinha. quando ela precisou deixar o projeto, adicionei + 2 meus, o mais longo ocupando duas páginas.
o local da capa e da contracapa mudam completamente a forma como as pessoas abrem e manipulam a zine, e como (tentam) dobrar ela de volta depois de ler. experimente com uns papeis rascunho aí pra ver.
decidi por botar a capa na página 8, inferior à direita, e a contracapa na p. 7. assim, o miolo vai se desenrolando poema a poema, em diálogo com os versos do Antonio Machado “não há caminho, se faz o caminho ao caminhar”.
legal, mas o nome da zine ainda não tinha chegado lá.
“poemas de calçada” é o nome do meu arquivão de textos escritos a partir de exercícios de escrita. um título precisa de mais elã.
calçada infinita, quizas? hmmm… foi a Julia que chegou no título final: “não gosto muito de “calçada infinita". e se fosse algo como: entre calçadas, que sugere um não-lugar?”. gostei por demais. além de sugerir a nossa troca (que no fim não se deu :( ), entre as calçadas do mundo existem as ruas, os edifícios, os rios, os mares (tá, viajei).
pensar fazendo 2 (cartaz)
resolvido um lado, eu ainda precisava de um cartaz, de preferência com ilustração + frase de impacto. não me sinto segura no desenho, mas faço colagens. então imprimi mapas de 4 cidades que estão nos poemas selecionados + 1 que é cenário de um dos poemas que não sobreviveram ao corte: Paris, Rio de Janeiro, Mumbai, a ilha de Nauru e Belo Horizonte.
escolhi regiões margeadas pelo mar/rio e imprimi todos na mesma escala, 1cm de mapa : 200m de cidade. com esses fragmentos, criei uma ilha imaginária pra lá de simpática.
além do verso do cartaz, queria uma ilustração pra capa e contracapa também.
primeiro testei posicionar o mapa grandão, com alguma transparência, embaixo de todos os textos da parte da frente. mas, além de atrapalhar a leitura, achei que estava gastando a imagem ao repetí-la grande na frente e no verso. aí pensei em fazer outro mapa, mas #semtempoirmão. acabei optando por repetir o mapa do cartaz, só que menor ocupando capa e contracapa, vazando levemente pro miolo.
e a frase de impacto? queria algo a ver com percorrer um mapa e percorrer a cidade, caminhar entre espaços e tempos, perder-se, algo que unisse os espaços dos poemas, algo que unisse as cidades retratadas no mapa.
foi a minha irmã Sofia que matou a charada. ela leu todos os poemas e sugeriu o título de um deles pro cartaz: quando digo Rio imagino Mar.
ao deslocar a frase do poema pro mapa, percebi que fez muito sentido. afinal, usei os mares e rios das cidades como margens da minha ilha (no caso de BH, selecionei a Av. dos Andradas, que passa sobre o rio Arrudas), juntei rio e mar, fixei uma ilha imaginária num mapa. a frase também dialoga com o título da zine: entre calçadas. seria um rio um tipo de rua? e as correntes marítimas? as margens e orla poderiam ser tipos de calçadas? forcei a barra? kkk
desenhei a frase rodeando o mapa, várias e várias vezes, em vários papeis, até cansar e aceitar que a última versão ficou até ok ficar bom.
digitalizar, tratar no photoshop, recortar e posicionar a frase certinho em volta do mapa foi a tarefa que mais demorou, e sobre a qual não tenho muito pra falar.
pensar fazendo 3 (cores)
pra resolver as etapas 1 e 2 desse fazer-pensar, precisei imprimir e reimprimir a zine várias vezes. aproveitei cada impressão de teste pra experimentar também diferentes cores.
como a Shannon The Canon é colorida (e muito chic, com 6 cores ao invés das clássicas 4), eu tinha toda liberdade pra escolher as cores de impressão da zine. decidi me inspirar nas cores dos grandes atlas que venho colecionando ao longo do tempo: azul, marrom, verde, amarelo… me decidi pelo mapa em terracota e os poemas em duas cores: azul escuro e o terracota do mapa.
pro papel, resolvi usar sulfite escolar colorido: rosinha, verdinho, azulzinho ou amarelinho.
não, amarelinho não, porque as minhas 2 zines de 2022 (5h55 e Sorte de Principiante) são amarelas! melhor variar, especialmente pensando nas diversidade da minha mesa nas feiras de publicações que virão. por exemplo, vai ter Feira Canastra dias 9 e 10 em BH e estarei lá junto da
, com essa zine nova em riste!particularmente, amei a impressão em amarelo (vetei pelo motivo acima). achei que ia ser bom em azul, porque é a cor universal da água nos atlas, mas o verde com terracota e azul escuro ficou muito mais bonito.
produção!
com tudo pronto, pensado, “só” falta imprimir. “só”, porque mexer com tecnologia é sempre uma aventura. as máquinas se rebelam quando a gente menos espera.
por exemplo, tive que exportar o verso da zine milhaaaaaares de vezes até as imagens aparecerem direito. não sei o que fez dar certo e não preciso investigar os mistérios desse acontecimento.
quanto à Shannon, nada a reclamar, ela é sublime. nem vou elogiar muito pra não zicar.
fiz uma tiragem de 55 exemplares. acho que é suficiente pra Flip e pra Feira Canastra, mas se acabar na Flip, basta imprimir mais :D só não pode faltar zine!
uma grande vantagem de produzir essa edição em casa é que tenho muito controle sobre tudo.
distribuição
a última etapa é a mais complexa, porque não depende só de mim. as pessoas têm que gostar, elas têm que querer, elas têm que desembolsar $ ou algo que eu aceite em troca.
mas também depende de mim sim: depende que eu esteja por aí, circulando e mostrando a zine, achando as pessoas que vão gostar, vendendo meu peixe, vendendo as zines formalmente em feiras e informalmente nas ruas, saraus, na internet.
pra Flip, a ideia é usar a zine mais como moeda de troca entre artistas. um jeito de deixar minhas palavras irem pro mundo enquanto recebo as palavras de outres. em outros contextos, a zine entre calçadas custa 10 reais.
quer um exemplar? responda com seu endereço que eu te passo meu pix :D
vai estar na Flip? vamos se ver!
beijinhos e até a próxima,
Lívia
Ah, que projeto legal! Eu amo zines. Ontem fui à uma livraria aqui em Berlim que é o paraíso para quem curte zine (e para quem faz). Lembrei de vc, porque já sabia desse seu rolê. :)
Nossa, voce deu uma aulda inteira de como fazer um ZINE.
Um verdadeira apostila, dos meus tempos, kkkk