a Índia dá choque
disseram: com o tempo você se acostuma com o bombardeamento dos sentidos e da cognição e dos sentimentos conflitantes. por enquanto, me sinto cansada | À TOA PELO MUNDO_capítulo 17
sem áudio hoje,estou afônica
é tudo muito muito: muita cor, muito movimento, muita gente, muita música, muito lixo, muito calor, muito frio, muita vaca, muito urubu, muito rato e barata, muito tempero, muito barato, muito gostoso, muita beleza, muito difícil ser mulher, ainda mais mulher-estrangeira-alta–branca-holofote-rica. rica? sim, mesmo mochileira barganhando pra gastar o mínimo, sou rica. e privilegiada, não me deixam esquecer. a maioria dos indianos nunca vai sair do país. aqui até eu acho tudo muito barato, mas mesmo que o prato de comida custe menos de um real ainda há gente passando fome, vestindo trapos, vivendo dos restos. nisso a Índia é tipo o Brasil: tanta abundância e tanta carência. só que com uma população cinco vezes maior e um milenar sistema de castas que sistematiza a desigualdade há muito antes da Inglaterra vir aumentar esse abismo.
disseram: com o tempo você se acostuma com o bombardeamento dos sentidos e da cognição e dos sentimentos conflitantes. disseram. eu espero que sim. por enquanto, me sinto cansada de manter a guarda o tempo todo, de cuidar da roupa para não mostrar os ombros considerados muito eróticos e os peitos nem se fala, cansada de ignorar as pessoas me solicitando na rua hello miss pss psst want rickshaw I can take you come into my shop what is your name hello buy this buy that where you from? ah Brasil! é nesse momento que eu deixo de ser gringa pra ser hermana, uma hermana gringa porque branca e turista.
meus sentidos permanentemente solicitados pelo mais belo e pelo mais feio. o slogan do país é Incredible Índia e é mesmo inacreditável. parece outro planeta. na verdade o mesmo planeta, só que com outra cultura tão diferente e tão antiga que nem mesmo os anos de colonialismo conseguiram pasteurizar. no caos de Nova Délhi, é difícil lembrar que este é o país da ioga, da meditação, de Madre Tereza e Mahatma Gandhi.
recebi um tapa na cara cultural já na primeira hora de Índia, na alfândega. fui uma das primeiras a sair do avião e entrar na fila pra carimbar o passaporte. mas esse conceito de fila “indiana” é mais um dos erros de tradução coloniais, porque a estratégia de andarmos uns atrás dos outros é indígena da América, pra deixar menos rastros nas matas. na Índia, como aprendi no minuto um, aglomera-se.
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