Olá, estou de volta com a newsletter, com a promessa de demorar menos pra enviar os episódios. A meta é enviar 1 capítulo por mês, responda a esta missiva com sua mensagem de incentivo :)
Mas antes do episódio ~ à toa pelo mundo ~, alguns recadinhos:
Lançamento do livro Aéroport em São Paulo
Escrito por mim, ilustrado pela minha irmã Sofia e publicado pela
, o lançamento em SP será no dia 1º de dezembro, domingo, a partir das 16h na pizzaria Ombra (R. Lisboa, 579 , Pinheiros). Contei mais sobre o livro aqui.Te espero lá!
Não está em SP e quer seu exemplar? Responda a este email que combinamos o envio de um autografado :)
#Solidariedade: bazar e sebo CELPI
Rodrigo, meu namorado, sugeriu que indicasse um projeto social a cada edição da newsletter e achei a ideia excelente! Imagino que vocês também fiquem inquietes querendo fazer alguma coisa depois de ler tanta notícia ruim - e não faltam instituições/grupos/pessoas sérias tentando fazer a diferença neste mundo em evaporação.
Começo indicando a instituição que Rodrigo é voluntário há anos, a CELPI (Costura E Lactário Pró Infância). Elas recebem TONELADAS de livros doados toda semana, que são vendidos a precinhos excelentes, envios pra todo o Brasil. Você pode consultar o que está à venda pelo instagram e nesta lista, atualizada toda semana. Pra quem é do Rio de Janeiro, fica a dica diquíssima que elas abrem um bazar de roupas e itens de casa excelente toda 4ª feira, na Rua Bambina 160.
É muita roupa, muita coisa, muito tudo - e toda verba arrecadada é revertida em ações sociais para mães em situação de vulnerabilidade no Rio de Janeiro. Ou seja: você adquire livros, roupas e outros itens no precinho e com isso ajuda famílias passando necessidade! Bora?
Capítulos ~ à toa pelo mundo ~ liberados pra geral!
Pra celebrar 12 anos da volta da viagem de volta ao mundo (desembarquei em SP no dia 16/10/2012), cujas histórias você acompanha nesta newsletter, resolvi abrir os capítulos que eram só pra assinantes.
Se você ainda não leu tudo, recomendo começar pelo 1º capítulo.
Ah, agora também dá pra escutar os episódios pelos Spotify! Espero que goste :)
E agora, vamos ao novo capítulo do livro…
Para: Kurt Randecker, Hestmonvågen, 8197 Storselsøy
De: Lívia Aguiar, Rio de Janeiro
Janeiro de 2018
Oi Kurt,
Já faz 6 anos que você me buscou no pier de Hestmona. Era um dia nublado com uma garoa leve e ignorável, como a maioria dos dias que estive na ilha. Talvez não se lembre de mim, você deve receber tantos voluntários todo ano. E eu tenho sido uma amiga péssima e mentirosa. Te falei que mandaria uma carta quando voltasse ao Brasil e não mandei. Bem, estou mandando agora, então talvez eu seja só uma amiga péssima que demora demais pra cumprir promessas.
Estou escrevendo um livro sobre a longa jornada ao redor do mundo que me levou até a sua fazenda e sua ilha magnífica. Reli meu diário sobre nossos dias juntos e encontrei seu endereço. Espero que esteja correto e que esta carta te encontre com muita saúde, mente sã e paz em sua casa.
Lembro com carinho dos nossos dias claros de verão e das noites de pôr do sol na sua sala aquecida, dividindo histórias e fazendo cafuné no gato Bobolink. Eu fiquei aí por apenas 12 dias, mas foi o suficiente para aprender lições inesquecíveis sobre viver de maneira simples e cuidando de todos os seres, sobre resistir contra o que acreditamos que tá errado no mundo. Você é muito especial, inteligente, crítico e gentil. Cê já deve saber disso, mas preciso dizer mesmo assim, pra que saiba que eu também sei.
Alguns dias depois que eu cheguei, você me contou que a Marie Louise temia que eu ficasse com medo de estar sozinha com você enquanto ela trabalhava em outra ilha. Ainda bem que eu nem pensei nessa possibilidade. Desde o momento que você me acolheu, sempre me senti segura.
Bem, pra falar a verdade, eu tive um pouco de medo de me perder enquanto caminhava pela ilha, sem ninguém pra me ouvir caso precisasse de ajuda. Também tive medo naquele dia que a gente remou pra dentro da baía pra tentar pescar. Eram duas da manhã e o sol estava baixo, reluzindo rosas e laranjas ao redor do horizonte, sobre nós e sobre a foca que seguia o barco. Você disse que talvez as baleias pudessem tentar virar a embarcação pra pegar o que conseguíssemos pescar. Temi que a gente tivesse que nadar naquelas águas congelantes até a praia!
Felizmente, não pescamos nada, então estávamos completamente a salvo de baleias ladras. Suspeito que a foca comeu todos os peixes que conseguimos atrair com nossas iscas, mas talvez nós fôssemos dois péssimos pescadores, desejando não conseguir pescar pra não ter que matar um ser vivo. Não precisávamos de peixe, era só uma desculpa pra sair com o barco e olhar pra fazenda desde o oceano. Espero que tenha se divertido tanto quanto eu.
Imagino que você esteja acostumado com as suas belas montanhas, mar negro, dias insanamente longos durante o verão e noites ainda mais duradouras, iluminadas pela aurora boreal, no inverno, mas espero que não esteja acostumado demais a ponto de se sentir entediado. Sei que você é um de nós que vê poesia num campo de cravos floridos, pôres do sol iridescentes e nuvens de formas interessantes.
Queria ter conseguido acordar mais cedo todos os dias pra te ajudar na ordenha. Mas eu estava tão cansada, por favor entenda. Eu estava vindo de uma rotina apressada, pedindo carona, caminhando muitos quilômetros por dia, dormindo em tendas e sofás. Viajar pela Noruega é caro, como tudo nesse país, mas sou grata por ter ido, mesmo que tenha precisado viver como mendiga por um tempo. Sou ainda mais grata por ter encontrado seu perfil no WWOOF e que você e Marie Louise tenham me aceitado aí por uns dias.
Esta carta está ficando longa, mas meu pedido é curto: por favor, continuem. Sigam cuidando de sua terra e das criaturas que dividem o espaço com vocês. E continuem aceitando voluntários. Não é só a fazenda que precisa de ajuda. Nós precisamos de vocês, precisamos conhecer outras formas de viver, amar e resistir. Sua vida é inspiradora. Os anos que você e Marie Louise passam lutando pelo direito de viver livremente são inspiradores.
Às vezes me sinto exausta de tanto protestar, resistir, denunciar o que eu sinto que está errado, cansada de ser considerada louca quando me sinto sã. Então me lembro do dia que carregamos merda de vaca do curral pra composteira.
Eu trabalhava e repetia
“Se você ama o leite, tem que amar a bosta”
como um mantra.
A natureza é ao mesmo tempo incrível e terrível. É morte e transformação, ciclos intermináveis de vitalidade e decomposição. É preciso força pra carregar as merdas que tão espalhadas por todo lado para o melhor lugar, paciência pra esperar a natureza transformar restos fedidos em alimento saudável pras plantas. Então força de novo pra espalhar essa vida transformada e concentrada sobre a terra faminta. Quando me sinto cansada (e só tenho 31 anos), lembro que vocês estão lutando há mais tempo do que eu existo no mundo. Lembro da sua risada, dos olhos brilhantes de Marie Louise e das histórias que dividiram comigo.
Existe muita merda no mundo e as pessoas continuam cagando mais e mais. Mas com tempo e trabalho, ela vai se decompor. Vai sim.
Cheguei na sua ilha querendo paz e quietude, encontrei amizade e força. Por isso, sou eternamente grata.
Com amor,
Lívia
Para: Kurt Randecker, Hestmonvågen, 8197 Storselsøy
De: Lívia Aguiar, Rio de Janeiro
Janeiro de 2024
Querido Kurt,
Faz um bom tempo e uma pandemia que não nos falamos, meu amigo. Espero que você e Marie Louise estejam saudáveis e no meio da natureza, como amam estar.
Desde o nosso encontro, as mudanças climáticas chegaram, como foi anunciado por tantos anos. Me pergunto se sua fazenda está mais quente agora. Talvez vocês tenham precisado mudar a forma de manejar a terra, ou sei lá… gostaria de saber!
Essa é a terceira vez que envio a carta que está aqui em anexo, sem resposta. Envio este bilhete junto pra atualizar as notícias. Talvez vocês tenham se mudado pra outra ilha ainda mais longínqua e esta carta nunca vai alcançá-los, talvez as cartas anteriores se perderam, talvez vocês não tenham tido tempo de responder de volta, talvez a sua resposta tenha se perdido no caminho, talvez… não sei, mas aqui estou tentando de novo. Talvez ela chegue como um presente de inverno, pra clarear o dia por alguns instantes.
Agora eu moro no Rio de Janeiro e cada estação parece ser mais quente. Estamos no meio de uma onda de calor e, enquanto meu corpo é esmagado pelo sol, minha mente flutua para outro verão, 12 anos atrás, na mágica Hestmonvågen, onde um sol gentil e macio clareia a terra e nossos sonhos. Desde 2012, eu publiquei um livro e mais de 20 pequenas zines, duas delas em português-inglês, que envio junto com essas cartas.
Obrigada de novo por todos os ensinamentos, pelo tempo valioso que partilhamos, pela aventura calma e inesquecível que vocês me permitiram viver em sua terra.
Realmente espero que esta carta chegue até você de alguma forma.
Se chegar, me avise!
Com muito amor,
Lívia
No hiato entre a parte 3 e a 4 desta história que se passou na Noruega, esperei em vão por uma resposta do Kurt à minha 3ª e última carta pra ele.
Frustrada com o silêncio, achei o email de um documentarista norueguês que gravou um curta na fazenda no mesmo ano que estive por lá. O Trond disse que não tem notícias do Kurt, mas compartilhou o link pro filme.
Fiquei muito feliz de ver imagens belíssimas desta ilha que mora num lugar especial da memória (não entendi nada, pois está em norueguês). Aqui está:
Beijinhos e até a próxima,
Lívia
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